CONCLUSÃO
Chegamos ao final deste longo e trabalhoso estudo. É importante criarmos uma tabela para melhor avaliar as visões dos Padres da Igreja e outros cristãos da época. A intenção dessa comparação é mostrar que o católico está fundamentado ao professar a virgindade perpétua de Nossa Senhora, através da opinião de especialistas sobre esta crença na história da Igreja até o século V. É claro que nem toda menção que se verá aos Padres da Igreja e escritores antigos se deve considerar no mesmo peso de probabilidade. Algumas vezes a questão é debatida entre os especialistas sobre se um ou outro Padre da Igreja ou escritor antigo acreditou ou não na virgindade de Maria no parto ou após o parto. Por exemplo, não resta dúvida que Santo Agostinho cria na virgindade de Maria no parto, mas quanto a opinião de São Jerônimo os estudiosos divergem. Outro exemplo: Se Orígenes negou ou aceitou a virgindade no parto é disputado pelos estudiosos, mas não se duvida que Santo Ambrósio aceitou. Por último: Que Orígenes aceitou a virgindade de Maria pós parto é muito claro, mas se há evidência que São Justino a aceitou disputa-se, inclusive sobre se um documento atribuído a ele é autêntico. As divergências estiveram indicadas nas partes antecedentes deste estudo, inclusive com obras de uma e outra opinião. Não nos cabe aqui, e nem teríamos competência para tanto, desdizer um ou outro especialista. Basta que tenhamos presente que a lista a seguir é segura na medida em que será possível se fiar em verdadeiros especialistas em patrística (mesmo protestantes) e mariologia para sua aceitação, ainda que sobre a crença de um Padre da Igreja em particular outros possam divergir. Por outro lado, a maioria dos testemunhos apresentados não apresentam controvérsias.
Ademais, é claro que a autoridade dos testemunhos varia. A visão de um Padre da Igreja e bispo tem muito mais peso do que a visão de um ariano, por exemplo. A visão do Proto-Evangelho, por conta de sua ortodoxia e influência na cristandade, tem mais peso que um apócrifo docetista.
Crença na virgindade de Maria no parto
Negação da virgindade de Maria no parto
Crença na virgindade de Maria após o parto
Negação da virgindade de Maria após o parto
1. Proto-Evangelho de Tiago
1. Tertuliano
1. Hegésipo
1. Tertuliano
2. Ascensão de Isaías
2. Joviniano
2. Proto-Evangelho de Tiago
2. Helvídeo
3. Odes de Salomão
3. Muitos no Egito[1] (séc. II)
3. Evangelho da Infância segundo Tomé
3. Eunomio (ariano)
4. Oracula sibylline
4. Evangelho segundo Pedro
4. Apolinário(?)[2]
5. Santo Inácio de Antioquia
5. Santo Inácio de Antioquia
5. Bonoso
6. Santo Irineu de Lião
6. Santo Irineu de Lião
6. Joviniano
7. São Clemente de Alexandria
7. São Clemente de Alexandria
8. Orígenes
8. São Justino
9. São Gregório de Neocesareia
9. Santo Hipólito de Roma
10. Eusébio de Cesareia
10. Orígenes
11. Santo Atanásio
11. São Gregório de Neocesareia
12. Santo Hilário
12. Eusébio de Cesareia
13. São Zenão de Verona
13. Santo Atanásio
14. Santo Efrém
14. Santo Hilário
15. Santo Epifânio
15. São Zenão de Verona
16. Rufino de Aquileia
16. Santo Efrém
17. Rufino o Syro
17. Santo Epifânio
18. Didimo o Cego
18. Didimo o Cego
19. São Gregório Nazianceno
19. São Gregório Nazianceno
20. São Basílio Magno
20. São Basílio Magno
21. Santo Ambrósio
21. Santo Ambrósio
22. São Gregório de Nissa
22. São Gregório de Nissa
23. São Anfiloquio de Iconio
23. São Anfiloquio de Iconio
24. São João Crisóstomo
24. Rufino de Aquileia
25. São Jerônimo
25. São João Crisóstomo
26. Santo Agostinho
26. São Jerônimo
27. São Gregório de Elvira
27. Santo Agostinho
28. Teodoreto de Ciro
28. Teodoreto de Ciro
29. São Nilo do Sinai
29. São Nilo do Sinai
30. São Cirilo de Alexandria
30. São Cirilo de Alexandria
31. São Teodoro de Ancira
31. São Pedro Crisólogo
32. São Pedro Crisólogo
32. Sedulio
33. Sedulio
33. Hesiquio de Jerusalém
34. Severiano de Gábala
34. Proclo de Constantinopla
35. Hesiquio de Jerusalém
35. Papa Leão Magno
36. Proclo de Constantinopla
36. Sâo Máximo de Turím
37. Papa Leão Magno
37. Leporio
38. São Gaudencio de Bréscia
38. Papa Siricio
39. São Máximo de Turím
39. Opus imperfectum
40. 80 Bispos, Sínodo de Roma.
40. FIlostorgio
41. Sínodo de Milão
41. Anísio, bispo de Tessalônica, e outros bispos de Ilíria
42. 520 a 630 bispos, Concílio de Calcedônia
42. Carmen Laudibus-Domini
43. Consultationes Zacchaei et Apolloni
43. Acácio de Melitene
44. São Vicente de Lérins
44. Chrysippus Hierosolymitanus
45. Antipater Bostrenus
45. Apponius
46. Chrysippus Hierosolymitanus
46. Praedestinatus seu praedestinatorum haeresius
47. Paulus Emesenus
47. Arnobius Iunior
48. Apponius
48. Bachiarius Monachus
49. Arnobius Iunior
49. São Paulino de Nola
50. Papa Celestino I
50. Pelágio da Bretanha
51. Fausto de Riez
52. Aurélio Clemente Prudêncio
53. Quodvultdeus
O consenso
Segundo o Pe. Philip, já antes do Concílio de Éfeso (ano 431), tanto por parte do Ocidente, quanto por parte do Oriente, chegou-se a um consenso sobre a virgindade perpétua de Nossa Senhora, in verbis:
“Temos fundamentos para crer que já antes de Éfeso se havia alcançado unânime assentimento à doutrina da virgindade de Nossa Senhora, pois terminado o concílio, encontramos a mesma crença tão profundamente enraizada nas mentes dos dissidentes como nas dos católicos”. (pp. 679 – 680)
Segundo o professor de mariologia Jaime Colomina houve no século IV “perfeita unanimidade entre as igrejas do Oriente e Ocidente acerca da perpétua virgindade de Maria”[3].
Para o lado do Oriente no séc. IV: vimos que São Basílio Magno parece referir que a virgindade após o parto de Nossa Senhora é uma opinião comum dos fiéis. No mesmo século, Santo Epifânio aponta a negação da virgindade após o parto como ‘heresia’ (levando-se em conta o sentido amplo da palavra naquele tempo), considerando, portanto, posição heterodoxa. Este Santo Padre em sua obra “Exposição da fé” refere-se à virgindade de Maria no parto. Anísio, bispo Tessalônica e outros bispos de Ilíria, no final do século IV, condenaram Bonoso por sua negação à virgindade de Maria após o nascimento de Cristo.
Em relação ao Ocidente cristão no século IV: Santo Ambrósio, presidindo o Sínodo de Milão, junto com outros bispos, condena Joviniano que negava o nascimento virginal de Jesus. O Papa Sirício confirma esta condenação. Ao que parece, pouco antes ou ao mesmo tempo, um Sínodo de Roma condena Joviniano pela mesma doutrina. Santo Agostinho classificará tanto a negação da virgindade do parto quanto a negação da virgindade pós parto como heresias em sentido estrito. Este mesmo Doutor da Igreja em carta a Pelágio dirá que a doutrina da virgindade de Maria no parto era de fé e que era a posição oficial da Igreja universal. Rufino de Aquileia em seu Comentário ao Credo dos apóstolos refere à virgindade perpétua de Maria.
Por tudo o que foi dito parece possível afirmar que a crença virgindade perpétua de Maria virou consenso ainda no século IV e tida como de fé no final do mesmo século. Mas outros autores, no que se refere ao Oriente, dizem que esse consenso e essa certeza teológica apenas chegaram após o Concílio de Éfeso. Seja como for, é evidente que no século V a virgindade perpétua de Maria passou a ser tida como uma doutrina de fé na Igreja universal. Nas palavras do Pe. Philip:
“Portanto, desde o tempo de Santo Agostinho, no Ocidente, e desde a época do concílio de Éfeso, no Oriente, o dogma da virgindade perpétua de Nossa Senhora ante partum, in partu e post partum foi universalmente reconhecido como tal e não foi nunca questionado pelos católicos”. (p. 681)
Os Padres da Igreja
Usamos aqui a expressão “Padre da Igreja” no sentido estrito. Segundo São Vicente de Lérins (+ 450) seria aquele que “santamente, sabiamente e com constância viveu, ensinou e permaneceu firme na fé e na comunhão católica, e morreram fiéis a Cristo ou mereceram a alegria de dar sua vida por Ele” (Commonitorium, 28). Assim, em tal definição não poderia caber Joviniano, Bonoso, Helvídio, Eunomio e Pelágio. Ao depararmos com a abundante cifra que chegamos tanto em relação ao parto virginal, quanto em relação à virgindade após o parto de Nossa Senhora, é fácil presumir que há um consenso entre os Padres da Igreja verificados em relação à virgindade de Nossa Senhora. É possível, portanto, afirmar junto com o Padre Luigi Gambero que “questionamentos foram levantados sobre a perpétua virgindade de Maria, e a realidade de sua virgindade perpétua foi rapidamente afirmada pelos Padres, com exceção de Tertuliano”. (Mariology: A Guide for Priests, Deacons, Seminarians, and Consecrated Persons: Mary and the Fathers of the Church)
Reparemos que ainda que concedêssemos, em vista do argumento, que um ou outro Padre da Igreja negou algum ponto da virgindade de Nossa Senhora, não seria suficiente para destruir a unanimidade moral que encontramos. Ainda mais levando em consideração que encerramos nosso estudo até o século V, faltando ainda muitos outros Padres da Igreja que falaram sobre o assunto, evidentemente, a favor da virgindade perpétua de Nossa Senhora.
É de se lamentar, no entanto, que os cristãos protestantes não utilizem o consenso dos Santos Padres e nem mesmo o “consensus fidelium” como critérios para conhecer a verdade revelada.
[1] Como nos informa São Clemente de Alexandria, Stromata 7,16
[2] Santo Epifânio não acredita que Apolinário negava a virgindade pós parto, cf. Panarion, haer. 77, 36, e haer. 78, 1.
[3] Santuarios marianos de Castilla La Mancha, p. 27.
PARA CITAR
SARMENTO, Nelson. A virgindade perpétua de Maria nos cinco primeiros séculos (parte 3). Disponível em <http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/apologetica/virgem-maria/953-a-virgindade-perpetua-de-maria-nos-cinco-primeiros-seculos-parte-3> Desde 10/03/2017.